quarta-feira, 11 de julho de 2007

CANTO PARA UM JORNAL QUE NASCE

(Ano I – Nº1 Quinta-feira, 23 de Outubro de 1969)


Pelo Dr. Francisco Videira Pires

Estava a ler um canto de Ezra-Pound, quando me sugeriram umas palavras para o novo jornal com que a Região do Nordeste passa a contar, desde agora. E logo compreendi que elas tinham de ser também isso - um canto. Não por qualquer tardia exigência de ultra-romantismo ainda a dormir diante da «lua de Londres», mas porque foi sempre através dessa forma que o homem melhor exprimiu os sentimentos mais profundos e vivos, desde as odes imortais de Pindaro aos atletas gregos até à última balada do mais recente caminho conjunto juvenil.
No panorama do jornalismo português, a nossa região aparece como a mais pobre de todas, - mais pobre quantitativa e até qualitativamente. E ninguém tem tanta necessidade duma imprensa adulta e consciente como nós.
À medida que a história dilatou o corpo continental do País, fomo-nos distanciando do centro administrativo maior, do cérebro da governação, da capital em que a vida política vê traçadas as linhas de rumo, donde baixam as benesses e onde o botão mágico que abre as comportas do progresso se esconde. Entretanto, as imensas riquezas adormecidas da nossa região, quem punha os olhos nelas, de entre os que podiam e deviam explorá-las e dinamizá-las ?
O grito de cá devia partir. Mas, entre nós, a província especializou-se medularmente em guerrilhas endémicas de Alecrim e Mangerona, dividida em grupos compartimentados em volta de tristes caciques locais, que apenas tinham de grande uma ilimitada capacidade de tudo prometer para nada fazer e um imenso talento conselheiral para cozinhar frases requintadas de má retórico comicieira, fértil em complexos de frustração e zargunchadas covardes e imaginários rivais.
Claro que este grito precisava de ser independente e à medida da terra, de superar clientelas, para interpretar só as aspirações colectivas, de não recear exprimir a verdade inteira, mesmo que antecipadamente se soubesse que ia ferir interesses criados e enraivecer os bens instalados que se serviram da comunidade, tornando-a como pedestal para que todos bolsar vacuidades de vulgares receitas oratórias.
Não tínhamos há muito jornal capaz de levar a todos esse grito independente e universal. Aparece agora, tarde talvez, mas ainda a tempo. A tempo de salvar o essencial, que se guarda na alma deste povo admirável que, é o das terras de Trás-os-Montes e Alto Douro, uma gente como não há melhor debaixo da rosa do sol.
Por isso eu o saúdo jubilosamente, certo de que nos dará, número a número, a linguagem frontal das ideias incarnadas e dos factos tangíveis, a verdade do nosso terrunho, com o brilho legítimo do nosso sol e o sabor forte dos nossos frutos. Sem disfarces nem meias-verdades, capaz de desentranhar a universalidade do coração do nosso regionalismo, de se fazer escutar por quem nos deve ouvir e de levar a atender-nos , fazendo-nos justiça, os detentores do mando.
Não vem contestar nem rigorosamente reivindicar. Muito menos destruir ídolos ou arrancar máscaras mal ajustadas. Não sobra o tempo para esses jogos infantis , diante da imensa tarefa de resgatar o chão generoso que o nosso lavrador cava, e semeia. Os espantalhos que se topam na estrada deixam-se para trás, confiando ao tempo o encargo de sepultar os seus mortos. Como temos visto.
Os espíritos de boa vontade que aqui nasceram ou connosco labutam encontrarão nestas páginas um lugar ao sol, estou certo. Que todos subam livres as escadas que levam a esta tribuna lavada de regionalismo integral, todos os que se vejam aptos a darem-se as mãos limpas na empresa da comunidade.

(caixa)

(Ano I – Nº1 Quinta-feira, 23 de Outubro de 1969)
Este é um jornal do Nordeste para Nordestinos. A ideia nasceu há muito, dum patrício ilustre.
O tempo passou. Houve lutas, emoções, dúvidas. Houve quem se apostasse em afundar cada vez mais uma região já de si enfraquecida, explorada, esquecida...
Mas, como as ideias não morrem e a crise passou, aqui estamos.. Seremos o reflexo do futuro. Iremos para a rua querendo ser menos um artigo de consumo e mais a expressão de um espírito e de uma sensibilidade. Inscrever-nos-emos na história desta terra como um símbolo de combate e renovação. Castigaremos a insuficiência, combateremos a preguiça, abateremos a arrogância, desbancaremos a estupidez e a insolência.
Exaltaremos a Pureza e a Inteligência, louvaremos a Nobreza, resistiremos ao abandono. Tentaremos representar algo de positivo na evolução da nossa gente. Ajudaremos ao nascimento de uma nova terra.

EDITORIAL

(Ano I – Nº1 Quinta-feira, 23 de Outubro de 1969)


A vida da nossa região tinha sido normalmente assinalada por um sentimento de «bairrismo» acanhado, propício a ditirambos de circunstância, mas improfícuo, dissolvente e negativo.

Dentro deste espírito, falava-se muito de «rude nobreza» transmontana e do amor à terra (sobretudo quando se vivia longe, implorava-se, por vezes, a instalação dum Serviço público ou a construção dum edifício, armava-se em arco pela inauguração dum «chafariz»... e não se passava disto! A vida continuava fechada, no círculo das «capelinhas» e dos pretensos «arranjos geniais», em que esta localidade se opunha frenèticamente àquela e a vaidade dum senhor aos pergaminhos doutro, numa modorra medieval de tempo parado e de homens sem esperança. Enquanto o País, duma forma geral, se desenvolvia e ensaiava os ritmos de novo progresso, nós continuávamos desarticulados, feridos do sentimento duma importância crónica e encasulados no egoísmo dos nossos caprichos e na preferência de certos lugares.

Foi assim até acerca de 10 anos.
Então surgiu um homem, nado e vivido por estas nossas terras, conhecedor das suas potencialidades e do vigor adormecido das suas gentes, que, lançando a sua olhada pelos vastos horizontes, idealizou uma nova vida regional em termos de grandeza, prosperidade e entusiasmo.

Graças à sua persistência indómita, à sua inteligência brilhante e ao seu espírito de trabalho, a obra foi surgindo. Ao narcisismo particular, sucedeu a tarefa de conjunto e à «bucólica» exploração das «quintas», a estruturação dum vasto plano de articulação de todos os sectores económicos da vida transmontana. Agora já se não fala mais em termos desta ou daquela localidade. Agora só tem lugar e só pode pensar-se em termos de região: Trás-os-Montes e Alto Douro.

O exemplo deste Homem frutificou em nós. Procuramos segui-lo no seu entusiasmo, no seu amor ao terrunho, na concretização da grande Ideia. E daí, o nascimento deste jornal.

Ele surgiu como o arauto dos interesses da nossa região. Não é de Mirandela, de Bragança, de Chaves, de Vila Real ou da Régua. É de toda a vasta extensão transmontana e procurará constituir, aquém, Marão, uma atalaia preocupada e atenta, louvando o acerto, apontando o erro e erguendo a voz reivindicativa, conforme as circunstâncias.

Não está enfeudado a correntes políticas ou grupos de pressão. Nele têm assento e audiência todas as vozes e homens de boa vontade, sem segundas intenções ou ambiguidades. A única restriçãoque se pode pôr – e se põe – consiste em impedir tudo aquilo que possa lesar o interesse nacional. A Pátria acima de tudo.

Procurará vincar-se também, nesta nossa publicação, a ansiedade de justiça e de realização social, que informa a nossa época e ocupa profundamente o nosso espírito. Nas suas linhas gerais e aparte condicionalismos de lugar e tempo, parece-nos que o esclarecimento, discussão e concretização da chamada «doutrina social da Igreja» pode responder devidamente à nossa intranquilidade e aos nossos anseios. A dignidade do homem e a sua condição frente a Deus.

Quanto ao mérito ou demérito dos trabalhos, nada acrescentamos. Apenas anotaremos com D. Francisco Manuel de Melo: «Da infelicidade da composição, erros de escrita e outras imperfeições não há que dizer-vos: vós os vedes, vós os castigareis».

E assim iremos para a frente.

Anima-nos uma grande esperança e a certeza de correspondermos ao vivo desejo de todos os nossos conterrâneos.

Está em causa a nossa terra, na expressão autêntica de toda a sua grandeza geográfica, humana e cultural.

Que Deus nos ajude.

Rómulo Ribeiro